sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O SHOW NÃO PODE CONTINUAR

É Ansumane Mané que é abatido. É Veríssimo Correia Seabra que conhece o mesmo fim. É Tagme Na Wai escolhido, ao que parece, pelos "vencedores" para Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, perante a inexistência do Presidente da República Henrique Rosa. É Nino Vieira que regressa, à força e "em grande" à casa. É Tagme Na Wai morto. O Presidente Nino Vieira esquartejado. O candidato à Presidência da República Baciro Dabo e o deputado Helder Proença abatidos. O Presidente do Tribunal de Contas, Francisco Fadul, espancado. O Primeiro Ministro, Carlos Gomes Júnior, chama o Bubu Na Tchuto, no Fórum da RTP-África, de desertor e ameaça-o com a prisão  assim que abandonasse as intalações das Nações Unidas. O Vice-Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, António Indjai, alia-se a Bubu Na Tchuto e correm com o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, Zamora Induta, que fica, pouco depois, preso no quartel de Mansoa. O Primeiro Ministro Carlos Gomes Júnior é preso durante algumas horas ou nem tanto, e ameaçado de morte por António Indjai, caso a população saísse em massa à rua em seu apoio. O Presidente da República, Malam Bacai Sanhá, elogia António Indjai pelo seu passado. É António Indjai nomeado Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas. E Bubu Na Tchuto, Chefe de Estado Maior da Armada.
E agora é o António Indjai que se protege e defende o Primeiro Ministro Carlos Gomes Júnior da investida de Bubu Na Tchuto???!!! Isto, poucos dias depois de ter ameaçado abandonar o "barco" e ir ficar em casa, caso a comunidade regional enviasse uma força de dissuasão.
Alguém entende isto???!!!
O estado do Palácio Presidencial, fruto da guerra de 7 de Junho


Casos e mais casos.
Quanto à responsabilização, vou ali e já venho. Promover é mais fácil e não comporta riscos.
O presente caso, CASO 26 DE DEZEMBRO, chame-mo-lo assim, reprova pela enésima vez a ideia (algo  naif, a meu ver; e proveitosa para os prevaricadores) de que os PROVISORIAMENTE poderosos guineenses são capazes de co-existirem pacificamente sem uma força regional ou internacional a monitorizá-los de perto.
O poder político, para lá do dever de dar o exemplo, portando-se como deve ser, tem de ter coragem (por exemplo, não nomear com base no medo) e capacidade de resolver o problema democraticamente quanto antes. Porque THE SHOW MUST END NOW. Já não é sem tempo. Não há desculpas (do tipo bu sibi...). Nada disso.

OBRIGADO, TIO SILVA

Tio Silva, ou melhor, professor Silva, era daqueles raríssimos home grandes de Mansoa com dom, arte e bondade de elevar o moral dos jovens.
Adorava a Escola, como se diz na Guiné, e os grandes alunos. Sempre que se cruzava com um, perguntava, invariavelmente, pelos outros (anta fulano, kuma ki sta? Fidju de fulano ta pega teso !) Falava sorrindo, entusiasmadíssimo.
Aquando do meu exame escrito final de 4ª classe fiz uma grande parvoíce: assinei, numas folhas Selo Djaló e noutras, Mamadu Selo Djaló. Os professores nem se deram ao trabalho de tirar tudo a limpo. Decidiram, pura e simplesmente, chumbar-me. Chorei baba e ranho. Nada. Os professores continuaram na sua, nas tintas para a minha dor. Só não repeti o ano porque o Tio Silva salvou-me na hora h.
Lembro-me do Tio Silva a falar português para o filho, ainda adolescente, Iaiu, e este, brincalhão como sempre, a responder em criolo. O mais incrível era o Tio Silva não se alterar e encarar a brincadeira  do filho com a maior das naturalidades.
Tio Silva era a simplicidade em pessoa. De resto, era muito simpático e afectuoso.
Falava balanta com os balantas, sobretudo, os da tabanca. Arranhava fula com os fulas...
O seu multiculturalismo e humanismo faziam dele um home grande interessante. Uma referência, um farol que a juventude acaba de perder.
Saudades eternas do professor, do amigo, Tio Silva.
Que descanse em paz!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

POBREZA GARANTIDA

« O dinheiro é como que um sexto sentido, sem o qual os outros cinco funcionam mal», Graham Greene, escritor britânico

O meu amigo professor Fernando Delfim da Silva, inspirado na vida de "ngenhero" dos guineenses e, provavelmente, na denominação portuguesa de Rendimento Mínimo Garantido, cunhou a feliz expressão "POBREZA GARANTIDA", que usa, quase que sempre, no programa de debate semanal na Rádio privada Bombolom, no qual participa na qualidade de um dos comentadores residentes sobre acontecimentos nacionais e internacionais.
Desnecessário se torna dizer que está coberto de razão o prof. Delfim da Silva. E do meu ponto de vista, faz muito bem em denunciar vezes sem conta a vida miserável do guineense; ainda que haja quem diga que ele também tem culpas no cartório por ter sido ministro do maior destruidor da Guiné-Bissau, o ex-Presidente Nino Vieira. Ao que parece, o prof. Delfim da Silva está cônscio dessas críticas e não tem deixado de fazer mea culpa.

Voltando ao que mais importa, diga-se que, em abono da verdade, sempre que se cruza com um guineense e se lhe pergunta, à laia de cumprimento, como está? A resposta é, quase invariavelmente, «ngenhando» (querendo com isso dizer, «estou a tentar sobreviver, a tentar manter-me à superfície») ou, em alternativa, poderá dizer «mais ou menos». E se insistir com ele, perguntando, "é mais para mais" ou "mais para menos". Ele vai responder, seguramente, "para menos".

"Mais para menos" porque está tudo por fazer; "mais para menos" porque mal se sente a presença do Estado em Bissau quanto mais no Interior; "mais para menos" porque o povo está teso, falido que nem uma criança e sem poder de compra; "mais para menos" porque os funcionários públicos ganham uma miséria, não têm onde encostar mortos, muitos menos condições de trabalho e, para mais, tendo de aturar chefes, por via de regra, corruptos, arrogantes e mal-comportados; "mais para menos" porque a competência, o esforço, o mérito não são reconhecidos; "mais para menos" porque a luzinha que se via ao fundo do túnel até há coisa de poucos meses era fraquinha de mais para acalentar alguma esperança no futuro; "mais para menos" porque os mais velhos ficam com tudo, condenando os jovens a uma menoridade sem fim (pois, nunca se é "grande", leia-se maduro, na Guiné, face aos mais velhos).

Para se ter uma ideia da pobreza guineense, refira-se que um assessor de ministro ganha, cerca de duzentos e tal euros apenas e só. É com esse montante, de todo irrisório, que terá de arcar com todas as despesas; desde casa, comida, transporte, luz eléctrica, água, saúde, escola dos filhos, saldo telefónico etc e tal. É caso para se perguntar: Como é possível viver-se apenas e só com duzentos e tal euros?! É simplesmente impossível. Que tipo de trabalho é esse?! Que Guiné é que estámos a construir?! Assim, não espanta nada que assessores que tenham a infelicidade de ter um ministro mau, egoísta, se vejam obrigados a apanhar "toca-toca" (transporte colectivo), ir de táxi (simplesmente incomportável), pedir boleia ou ir a pé, tendo de percorrer quilómetros sob um sol abrasador.
Uma irmã de um amigo meu, assegurou-me aqui há meses que o seu irmão mais velho, por sinal alto funcionário de um dos Ministérios mais importantes do país, mandou a mulher para Portugal a fim desta trabalhar para que o filho de ambos possa estudar. É, no mínimo, convenhamos, grave.

Uma Directora-Geral de um grande Ministério farta-se de lamentar das dificuldades financeiras por que passa e diz, vezes sem conta, « se não fosse o meu marido (que ganha bem), que seria de mim?!»
Como se compreende do exposto, os Directores-Gerais não ganham lá grande coisa. Auferem cerca de quatrocentos e tal euros. Têm um carro de serviço ao seu dispor; ainda que a esmagadora maioria se veja em apuros em matéria de arranjar combustível para o alimentar.

Os Ministros também não ganham bem, muito pelo contrário. O salário anda à volta de oitocentos euros. Só que, o espaço de manobra de um ministro é grande de mais, sobretudo, num país em que o "ministro é o Ministério"( isto é, sua propriedade. Já que não tem contas a prestar a ninguém). Além de carro, casa e outras regalias, o ministro sempre poderá contar com os dinheiros das viagens, com os fundos que vão entrando no Ministério para levar uma boa vida.
Daí não ter constituído novidade nenhuma a afirmação do Director-Geral do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), Dr. Mamudo Djau, proferida numa conferência realizada no Palace Hotel, de que «para se ter boa vida (na Função Pública Guineense) é preciso ser-se ministro».

Se assessores e directores-gerais passam mal, o que não passarão os outros, sobretudo, os chamados "pessoal menor".
Tal é a gravidade da situação. Como é que não se conspirará para se ser ministro, uma vez que é o único que pode "estar sabe"?! Como é que pode haver honestidade e estabilidade num país tão injusto como é a Guiné?!
Enganam-se aqueles que pensam que podem ficar com tudo e para sempre.

Oxalá que o ano 2012 seja diferente para melhor!
Boas Festas para todos e muita saúde!

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

"FURTARAM-ME A PASTA"



À vontade estava perdido nos meus devaneios. A estação de Alverca tinha poucas vivalmas.
De repente, procuro tactear a pasta que deixara ao lado. Para minha surpresa, não havia pasta. Levanto-me num salto. Nada. Não quero acreditar. Apalpo os bolsos. Nada. Passe, documentos, telemóveis... Estava tudo na pasta. Que azar! Entro em pânico. Puxo pela memória a ver se descubro o ladrão.
Cenário número 1: vejo a brigada de revisores (picas) a apanhar o comboio e eu estou a sós, longe de tudo e de todos;
Cenário número 2: vejo três senhoras, acabadinhas de sair do comboio, a passar por mim.
Só podem ser essas. Eureca!
Mas, pensando bem, não estou a ver senhoras a furtarem-me a pasta. Pois, roubar, digo para os meus botões, não é propriamente coisa de mulheres. Desisto da ideia.
Terá passado por mim algum fantasma, algum jovem e surripiado o objecto?!
De cabeça meio perdida, digo para uma senhora que se encontrava na plataforma bem longe de mim:
- Furtaram-me a pasta.
A senhora ficou sem palavras.
Resolvo avançar para as bilheteiras apresentar queixa. Cruzo com dois jovens a descerem a escada rolante e dirijo-me para o que estava à frente e digo-lhe que me levaram a pasta e que andava à procura do larápio. Antes de me dizer palavra, retrocedo para o lugar do crime. Estava um deserto. Reparei que havia uma tampa sobre o banco de cimento. Instintivamente, calco uma das extremidades; e não é que vejo, na extremidade oposta, a minha rica pasta. Que sorte! Não queria acreditar.
O moço a quem havido dirigido a palavra disse-me que ia precisamente sugerir-me para que procurasse aí mesmo, no lixo.
Que sorte! Afinal, a pasta sempre esteve comigo. Já não a larguei mais. Não ganhei para o susto.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

QUE VENHAM DAÍ AS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS

O Governo de Carlos Gomes Júnior projecta no Orçamento Geral de Estado do próximo ano a realização de eleições Legislativas e Autárquicas.
Se as primeiras não constituem novidade nenhuma no fluir da vida democrática guineense, o mesmo não se poderá dizer das eleições locais, que se poderão afigurar como um verdadeiro arranque para o chamado Interior do País. Até aqui o partido (ou partidos coligados) no poder tem enviado para as cidades e vilas do país os seus boys, 99,9% dos quais impreparados para administrar a coisa pública. Também para que precisariam de competência, de saber fazer, de saber ser, se não têm de prestar contas nem a si, nem ao poder central de Bissau, quanto mais ao pobre povo.
O resultado desse crime está à vista de todos: o "Interior" não passa de um fantasma, de um cadáver em pé. Veja-se a "praça" de Bafatá (dantes o coração nobre e reluzente da cidade); a "praça" de Farim (cujo jardim, agora altamente degradado, à beira rio plantado, faz lembrar um pouco Coimbra e o seu jardim, pelo contrário, bem tratado, junto ao rio Mondego); a "praça" de Mansoa, quase desabitada e a cair de podre; de Bolama nem vale a pena falar.De resto,diga-se de passagem, só a cidade de Gabu escapa à essa desolação geral, graças ao forte dinamismo da sua gente e dos imigrantes conacry guineenses.
Bem vistas as coisas, não supreende por aí além que o Interior esteja no estado calamitoso em que se encontra, se a própria cidade capital Bissau é um verdadeiro caos: com as suas estradas, na sua maioria, em muito mau estado; armazéns que nascem da noite para o dia como cogumelos e complicam, e de que maneira, o trânsito; a grande porcaria a céu aberto que é o mercado de Bandim;vendedores ambulantes que parecem possuir o dom da ubiquidade e têm entrada livre em tudo quanto é sítio (certa vez, na pediatria do Hospital Nacional Simão Mendes, vi um médio mandar prender dois jovens que andavam por aí a vender panos e vestuário. Depois de um nunca mais acabar de "dicha, dicha" de duas colegas, lá acabou por perduá-los); toca-tocas, transporte colectivo que era suposto transportar pessoas, levam, literalmente, tudo e todos, muitos deles com ajudantes sujos, mal-vestidos e mal-cheirosos, isto, ante a indiferença de passageiros e autoridades.
Há que mudar de vida, passando do mais que gasto caos ao cosmos.E todo esse cenário degradante pode mudar para melhor com as eleições autárquicas. E mais, ao partido que perdesse as legislativas subsistiria uma réstia de esperança de chegar ao poder através das autárquicas, contribuindo assim para o minorar da tensão que o país tem experimentado por causa do "curo", do "tacho", como se diz na tuga.
De facto, uma das grandes causas do subdesenvolvimento da Guiné-Bissau tem que ver com a excessiva centralidade do poder em Bissau. E os boys do partido que são despachados para o Interior (contemplados com o cargo ou porque deram tudo o que tinham e não tinham durante as Legislativas ou porque "têm costa largo", isto é, familiares ou amigos dos todo-poderosos do partido)têm pouco ou nenhum poder e passam a vida a fazer "nenhum", como ficou dito.
Como é de ciência certa, havendo eleições autárquicas, os governadores (no caso,autarcas) ganham poder real e vêem-se forçados a trabalhar sob pena de não renovarem o mandato. E cereja sobre o bolo, as populações passam a ter uma palavra a dizer quanto ao destino.Assim, que venham as eleições Autárquias. E que Deus, Alá, abençoe a Guiné-Bissau!

domingo, 20 de novembro de 2011

JÁ NÃO HÁ HOMENS

No meu tempo de Mansoa brigar era o pão nosso de cada dia. Era, por assim dizer, o nosso desporto favorito. Andar aos murros era sinónimo de "matchundade", um verdadeiro rito de passagem para a idade adulta. Todos os machos dignos desse nome eram obrigados a lutar para se afirmarem socialmente. Praticava-se o jogo limpo. A luta não passava de "luto lambo bu bate" ( a agora denominada luta livre), com socos e pontapés à mistura. Não se podia fazer recurso aos dentes. Seria batota pura e dura; o que desenhonraria o infractor e o deixaria mal visto aos olhos dos espectadores. Pois, morder não era coisa de homens, considerava-se. Consequentemente, estava-se à vontade. Podia-se lutar à vontade dias a fio sem consequências de maior. Ninguém morria por lutar. Aliás, só se morria no engraçado jogo de "lambo bu bate" se os feiticeiros metessem lá a sua colherada; o que raramente acontecia. Era toma lá um soco e dá cá outro. Agarra-me, que eu te agarro. Vamos lá a ver quem é o mais forte, o mais inteligente, o mais resistente. Era divertido o jogo. Um jogo praticado por homens corajosos sem maldade, por homens às direitas.
Hoje, já não é mais assim. Todo o mundo se acobardou; pior, virou assassino. A "defesa" é que está a dar (o que equivale a dizer, faca, lâmina, garrafa, até pistola e tudo). Ai de quem não tenha uma nos tempos que correm. Com efeito, já não se brinca, lutando. Agora lutar é um jogo de vida ou morte. Perdeu piada a coisa.
Noutro dia estava eu na Chapa de Bissau junto à Photo Arco Íris à espera de tocatoca (transporte colectivo urbano). Um dos ajudantes de um dos tocatocas acabadinhos de aí estacionar para apanhar passageiros desatou a discutir com um moço que se encontrava na paragem. O moço aparentava uma confiança de super-homem e era todo sorrisos nervosos: « chega só aqui, que eu dou cabo de ti num abrir e fechar de olhos», desafiou o ajundante. Este, não menos confiante, pelo menos assim me pareceu, fazia prever com o seu argumentário uma luta de touros. Mal avançou na direcção do seu oponente, este, para meu espanto, voou célere que nem um louco à caça de uma garrafa. Que cobardolas, disse, com desprezo, para os meus botões. Que jogasse limpo, como no meu tempo de Mansoa, e logo se veria quem era o mais forte, o mais inteligente, o mais resistente.
Assim vão os estímulos e reacções na minha terra. Razão tinha Dale Carnegie, autor norte- americano de livros de auto-ajuda, que aconselhava a "NÃO DISCUTIR" (no seu caso, por outras razões. Do seu ponto de vista, não adianta discutir porque o ser humano é Ilógico e Contraditório). E na nossa Guiné, por razões óbvias, há que evitar o mais possível, não vá o diabo tecê-las. Os Homens de verdade lutam desarmados.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

BUNGA BUNGA

Roupas arrancadas à pressa
à força da paixão
espraiam-se pela casa
pairam no céu do tecto quais núvens
ganham vida
pássaros de bom agouro feitos
esvoaçam
sobrevoam o quarto
refrescando que nem ventoinhas os corpos suados a potos
tremor de cama
vítimas sem necessidade de socorro
benditas réplicas bunga
opostos unidos
boca na boca
saliva saliva
línguas em diálogo
banana maça
gelado pote de mel
ganha ganha
bunga bunga

Lx, 13/11/2011

CÁ ENTRE NÓS

Rostos sem rosto
Feitos flores
Espinhos à janela emoldurados
Os outros mirados nas tintas
Indiferença
Oh santa indiferença
Ninguém é ninguém
O corre corre
O trabalho escravizante sem esperança
A crise do povo
Glória dos "artistas"
Corta-se-lhe o cabelo
Arranca-se-lhe uma orelha
As duas pernas já agora
Desdentam-no
Tudo para o seu próprio bem
Para o bem do povo

Rostos sem rosto
Corações de feiticeiro
Semeiam crises
Pregam pensamento único de que não há alternativa
Colhem os frutos.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

UMA PALAVRA SOBRE A ELIMINAÇÃO DA GUINÉ-BISSAU DO CAN 2012

Agora que a Guiné-Bissau está eliminada da fase final do CAN 2012, em lugar de carpir mágoas, continuar com essa fuga para a frente como se nada fosse, é chegada a hora de fazer o que devia ter sido feito: arrumar, antes de mais,  a casa. Uma casa esfomeada (salários de fome e preços altíssimos), às escuras (quase que não há luz eléctrica em Bissau, quanto mais no interior do país), esburacada, instável,  a cair de velha, com apenas dois estádios de futebol indignos da alta competição, altamente dependente do mundo exterior...
O caminho a seguir, meus irmãos, é apostar no desenvolvimento do país, criando condições basilares para que o ser guineense se sinta como peixe na água, isto é, em casa e deixe de se sentir como carta fora do baralho na sua própria terra. Urge dignificá-lo e valorizá-lo.
Desde logo haverá que dar o máximo para que o nosso Campeonato Nacional reganhe energia e valha mesmo a pena.
Daí a necessidade de esquecermos, já que somos pobres e desorganizados, a alta competição até termos organizado minimamente a nossa pátria. Assim não dá. A Guiné tem de ser dignamente representada. Não há pressa. Esqueçamos o próximo Mundial de Futebol. Pois, o tempo é de endireitar a nossa querida Guiné. Havemos de lá chegar um dia, se trabalharmos no duro.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

POESIA II

QUEM ME DERA

Quem Me Dera Ser
O ar que respiras
A água do duche refresca pele veludo
Sabonete ensaboar purificador
Creme teu

Quem Me Dera
Quem Me Dera Ser
A tua sombra companhia
A casa abrigo
O teu porto seguro

Quem Me Dera
Quem Me Dera Ser
O teu leito cama recarga-baterias
 Lençol teu
Teu cobertor
Sutiã seios mamar
Bebé de peito feito
Preenche vergonhas paraíso pecado mel.
Quem Me Dera, oh sabura!

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

24 DE SETEMBRO

Canta-se, como manda a praxe, os parabens à menina Guiné-Bissau pelos trinta e muitos anos que este ano regista; ainda que sob o signo de pesar pela morte de um dos seus ilustres "pais fundadores", o Presidente Aristides Pereira.
O desaparecimento físico dos "foundings fathers" da nossa nacionalidade constitui, seguramente, uma responsabilidsade acrescida para todos os guineenses, sobretudo, para o PAIGC, no sentido da conservação e aperfeiçoamento dos ideais da luta que muito engrandeceram o nosso minúsculo país.

Com efeito, os feitos da nossa Luta de libertação Nacional ficaram registados a ouro no grande Livro da História da Humanidade sobre a demanda da liberdade pelos povos sob domínio colonial. Não era caso para menos. É que havia liderança. Amílcar Cabral era tão só um génio, ainda por cima, cheio de virtudes. E o mais importante de tudo, era bem acompanhado pelo seu staff e companhia.

Escusado será dizer que o PAIGC da Luta de Libertação Nacional e o Cabo Verde dos nossos dias são a prova mais que provada de que havendo liderança ("lidership" para os anglo-saxónicos) opera-se milagres. E que milagres! Daí o tão falado "milagre" caboverdiano. Como diria Thomas Edison (e outros, já agora), para alguns o maior inventor americano de todos os tempos, é mais uma questão de transpiração do que de inspiração; ou dito de outro modo, trabalho, trabalho, trabalho.
A Guiné, inspirando-se na sua Gloriosa Luta de Libertação Nacional, valorizando a sua riqueza inesgotável, que são os seus recursos humanos (hoje, em abundância e sem rumo. Vá-se lá saber porquê), conseguirá sair, com os seus próprios pés e em poucos anos, do buraco em que se encontra enfiada.
Pelo contrário, o espírito de exclusão, de amiguismo, nepotismo, arrogância, falta de consideração para com o subalterno, maldade pura e dura, corrupção a olhos vistos não nos levarão a lado nenhum.
Isto de para conhecer verdadeiramente um guineense, é preciso dar-lhe o poder, é uma pena.
Por que é que somos, em via de regra, tão maus para os nossos irmãos quando temos as rédeas do poder?! Assim, todos perdemos, e pior que tudo, para nada. É só ódio e atraso.

Que os pais fundadores nos iluminem e que a Guiné seja de todos os guineenses e não só de alguns (dos que têm dinheiro ou "costa largo", ou seja, os meninos bonitos do costume.)!
Viva o 24 de Setembro!
Viva a Guiné-Bissau!
Que o Presidente Aristides Pereira descanse em Paz!

domingo, 18 de setembro de 2011

POESIA I

OS OLHOS

Os olhos com que te vejo não são os olhos da beleza passageira da paixão do aqui e agora satisfeito e nunca mais...
Os olhos com que te vejo não são os olhos do Uau, que gira, fingido...
Os olhos com que te vejo não são os olhos dos outros, do convencional...
Os olhos com que te vejo não são os olhos da parenta tradicional...
Os olhos com que te vejo são os olhos do coração apaixonado até ao amor para todo o sempre abençoado.



BENDITO VERÃO

Uma onda avassaladora de paixão me encobre e empurra, cúmplice, em direcção à praia...
sobre ti...
estendida na arreia branca, boa como nunca
os meus lábios aterram nos teus
do corpo o mesmo se diga
sob a bênção do sol todo sorrisos.

A SURPREENDENTE EUROPA

" A civilização ocidental tem um avanço considerável no plano material. Se ela se revelasse tão fecunda em técnicas de desenvolvimento interior como na sua tecnologia, estaria na vanguarda do mundo moderno. Mas quando o homem negligencia o cultivo da sua dimensão interior, transforma-se numa engrenagem da máquina, torna-se escravo das coisas; e assim, de humano, fica apenas com o nome", Dalai Lama, in SAMSARA, A Vida, A Morte, O Renascimento, p 59, Edições ASA.


A Europa, por extensão o Ocidente, logrou chegar a um estádio de desenvolvimento que encanta até o mais duro e atrasado dos Homens da Caverna. O progresso do homem/mulher branco é tal que algumas almas brancas e até mesmo negras continuam a acreditar piamente na suposta superioridade da raça branca, isto apesar dos desmentidos categóricos da própria ciência moderna.

De facto, a Europa surpreende. Lembro-me de um "homem grande" muçulmano em Bula, que conheci nos finais da década de oitenta do século passado, que não escondia de ninguém o fascínio que nutria pela Transportadora Aérea Portuguesa (TAP) e pela sua pontualidade na época colonial. Até nós (eu e alguns professores do antigo Ciclo, 5ª e 6ª classes) sempre que passeávamos pela única estrada alcatroada de Bula, imaginávamos a percorrer uma luxuosa avenida europeia. E não raras vezes, chamávamos uns aos outros, a brincar, obviamente, "ó preto", "ó branco", no sentido pejorativo no primeiro caso e positivo no segundo. Assim, não surpreende que muitos africanos - e não só - não consigam resistir a avassaladora tentação de abandonar a terra natal em demanda de um futuro melhor na Europa avançada.

Como não há bela sem senão, a Europa não consegue ser perfeita. Daí experimentar deveras dificuldades em conciliar, como recomenda Naisbitt, o "High Tech" (alta tecnologia, desenvolvimento tecnológico) com o "High Touch" (ou seja, companhia, calor humano, tempo para a família; elevação espiritual e moral, acrescento eu).

Este artigo nasce da visualização diária do meu canal televisivo internacional favorito, a Aljazeera. No seu programa SURPRISINGEUROPE, apresentado por um black, surpreende-nos com as surpresas europeias que aguardam os imigrantes africanos menos avisados. Surpresas essas contadas pelas próprias "vítimas", uns verdadeiros reporteres ocasionais:
pessoas presas em centros de detenção na Holanda, por falta de papéis, e que se dizem objectos de maus tratos e aconselham os "manos" a nunca se atreverem a desembarcar um pé na Holanda;
relatos extasiados sobre a famosa TOMATINA, a "Guerra dos Tomates", que junta anualmente milhares de foliões em Bunol, Espanha; isto para não falar da corrida de touros de Pamplona ( a celebérrima Festa de São Firmino, de todo incompreensível para um africano.), na qual touros desvairados machucam e até matam pessoas em êxtase;
holandeses que se fazem à água gélida, logo nas primeiras horas da matina, para se purificarem e entrarem com o pé direito no Novo Ano; o racismo saloio de alguns brancos...
A reportagem que mais me impressionou tinha que ver, digamos, com a "Terapia do Riso". Um black, o reporter, extasiado com o que via, estaciona a sua bicicleta num extenso espaço verde e começa por admirar, mudo de surpresa, mulheres estendidas ao comprido e...mortinhas de riso. De resto, gargalhadas havia-as para dar e vender. Segundo uma senhora que ouviu, por sinal, participante na terapia, os europeus levam a vida demasiado a peito, trabalham muito e o riso não é para aí chamado. Daí necessitarem duma cura dessas. O nosso herói lá foi convidado a experimentar a coisa. Não esteve com cerimónias. Deitou-se sobre uma toalha e...desatou a "kakarejar", "ka, ka, ka...". Minutos depois, pós-se de pé, e..."ka, ka, ka...". Valeu. Tinha ganho o dia e, já agora, saúde. E você, meu caro leitor, entre na onda e ria a bom rir. Não precisa de motivo: ka, ka, ka...Surpreenda-se, libertando o riso que há em si todos os santos dias! Seja o primeiro e o último a rir. Que faz bem, faz. Aproveite e seja feliz! Ka, ka, ka...

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

MANSOA DOS BONS VELHOS TEMPOS

Sempre que havia jogos do Campeonato Nacional, o restaurante de Só Zé enchia de fregueses. O meu amigo Alberto do "Comité de Estado" encheu-me a barriguinha muita vez aí. De resto, nos anos de fome da década de setenta do Século XX, o restaurante confortou muitos estómagos com os seus pães pequenos. Era um sonho comer nesse espaço. Como era um sonho fazer compras na loja de Nhu Quinzinho, na praça.
A praça emprestava à cidade um certo glamour, com as suas lojas recheadas de produtos, discoteca "Bona Gosta" e o Cine Club " Os Balantas".
Havia filmes para todos os gostos e feitios: fitas indianas do Bollywood (como o "Caminho para a Felicidade", emocionaram-nos até às lágrimas); Cowboys (os famosos Bud Spencer e Trinitá); o Charleot, que transformou muitos adolescentes em palhaços a tempo inteiro; o bonito e valente Sandokan; o Tarzan; o Dragão...
Ver os cartazes dos filmes tornara-se um must. Os nossos corações palpitavam descompassadamente de tanta excitação, de êxtase.

O nosso problema (meu e dos meus primos Aquiquiles e Tumbalumbé, este último, agora mais conhecido por "Di Noite" e "Munchen" ) era arranjar bilhetes.
Contudo, como a necessidade aguça sempre o engenho, lá conseguíamos ver as películas da nossa predilecção, fazendo recurso à imaginação e à criatividade:
Ora vendendo farelo, alumínio, ou pedindo aos mais velhos umas moedinhas, dizendo "Tio, Completan"; ora madrugando ao Cine Club, entrando pela janela, enfiando o corpo debaixo dos bancos compridos e aguardando que a sessão começasse. As formigas aproveitavam a ocasião para obter o seu quinhão, picando-nos.
Uma noite, Nhafrat, um dos mais carrascos funcionários do cinema, surpreendeu-nos, mal o filme começara, atrás da parede que servia de ecrã; foi uma debandada geral.

Os jogadores dos Balantas de Mansoa mais pareciam jogadores da Selecção dos Camarões. Eram uns verdadeiros touros da bola. Jaime Graça, avançado, era um super-sónico, corria que se fartava; Jaime Delgado, uma torre; Vicente, o guarda-redes, tomava conta da baliza com uma só mão... É escusado dizer que provocavam pequenos sismos sempre que se apresentavam para jogar a bola.
Aqui há anos, em Lisboa, um conterrâneo, pequenote que nem um bebé, disse-me que tinha jogado nos Balantas e na Selecção Nacional, fiquei parvo de assombro. Como era possível!

O mercado tinha um lindo e bem cuidado  jardim, onde se descansava, se rezava...
Mais tarde, passou a parque de diversões no tempo dos dinâmicos Fufu e Rui Lopes.
Hoje, não passa de um amontoado de casas, lojas, armazens...

Restaurante, cinema, jardim, parque de diversões... tudo passou à história; como passou à história a própria praça, arruinada, carcomida, fantasmagórica...
Fantasmagóricas estão também, para não destoar, as estradas Mansoa/Bissorã, Mansoa/Farim. Um horror.

MANSOA DOS BONS VELHOS TEMPOS chegou a ostentar um Carnaval inesquecível, com as criações de Totino, o homem dragão.
Tinha luz eléctrica, havia autoridade e o Campeonato Defeso era de luxo.  Equipas como Belém, autêntico Barça, de Mama Saliu, Sidico, Arlindo...; Anderlecht, de Nogueira, Sirifo Cassama...; Bairro Luanda, de Sarifo, Mama Saliu Bá, Mutaro Guba... Deixaram saudades que perduram no tempo.

O Mansoa de hoje, tem os seus encantos, só para citar um exemplo, tem a Rádio Sol Mansi, o Hospital... Ainda assim, não chega aos calcanhares do MANSOA DOS BONS VELHOS TEMPOS.

domingo, 14 de agosto de 2011

BINTA, A ENIGMÁTICA

Deambulando pelo palco à caça de uma presa, viu-a uma vez, e mais tarde, outra, sempre parada nalgum canto. Alta e esbelta. Não muito bonita. Ficou-lhe na retina.
Tarde da madrugada, estacou num dos lados do corredor para ver melhor as beldades que iam entrando e saindo. Não é que a vê a sair! Daí a puxá-la para si foi um passo.

- Olá, gira! Que linda que tu és!
- Obrigada!
- Não tem de quê!
- Não te importas de dizer-me o teu nome?
- Binta.
- E tu, como te chamas?
- Babadjema.
- Prazer.
- O prazer é todo meu.
- Não, não pode ser só teu.
Ao que riram com gosto.
- Adoraria ser teu amigo.
- Já somos.
- Já agora, o teu número de moba, se não te importas...
- antes dá-me o teu.

Dias volvidos, viu um toque no telélé.
Telefonou. E quem é que havia de ser?!
Era ela, a Binta dos seus sonhos.
"Céus! Abençada seja!" - Disse para os seus botões.
Trocaram algumas palavras triviais, como seria de esperar.

Voltou à carga dias depois, dessa feita para lhe convidar para o templo. Babadjema disse-lhe que ia ver.
Nesse dia, que era sabado, aí pelas 21 horas, contactou-a para combinarem. Ela disse-lhe que não tinha um chavo para apanhar táxi.
Tranquilizou-a, tendo prometido ir apanhá-la, desde que aparecesse sem amiga - virou moda em Bissau convidar uma e aparecerem, como de uma geração espontânea, muitas, tesas que nem uma criança de peito.
O encontro ficou para às 23 horas (não fosse pagar a tarifa das 24 horas), numa das "entradas" de Bairro Militar. Contava com a sua pontualidade.
Pouco antes da hora marcada, chegou ao local. Escusado será dizer que ficou estupefacto pela curta distância que separa esse local da discoteca. "Por que carga de água é que ela não se propôs ir a pé, poupando-me, assim, os míseros francos cfa de que disponho?!" disse de si para si.
Ligou. Ainda não estava a postos. Que aguardasse, que ia calçar-se.
Esperou, esperou "hoje e amanhã". Nada.
Às tantas, vislumbrou no escuro, duas badjudas. Pensou que fosse ela e uma amiga. Escondeu-se o mais que pôde, não fosse descoberto da espionagem a que, num repente, se viu forçado.

Pouco depois, a Binta mandou-lhe um liga-me.
Desconfiado que estava, não ligou.
Estudaria a situação. Entretanto, as duas raparigas se tinham sumido do seu campo visual.
Outro liga-me. Para não variar, não ligou.
Para se certificar, decidiu sair do seu esconderijo. Quando se preparava para atravessar a estrada... ouve uma voz femina chamar, voz que mais parecia vinda do fundo de um poço.
Mudou de rumo, seguindo em direcção da voz. A Binta estava à sua espera num canto escuríssimo da silva, o que o espantou de sobremaneira. " De que estaria a esconder-se?" Perguntou-se. Ao juntar-se-lhe, beijaram-se, em cumprimento da praxe, e saíram logo para a estrada. Chamaram um táxi. 
A discoteca estava à espera das duas aves nocturnas. Na verdade, quanto mais dessas houvesse melhor para os bolsos de um dos mais famosos espaços nocturos da capital guineense, se não o mais badalado de sempre, e também para as algibeiras das mulheres do termo, dos bares adjacentes, dos nares...

Ela avisou que não podiam descer juntos (provavelmente,  matutou Babadjema, por causa dos "bocassinhos"). Assim, apeou-se perto da curva que conduzia à Catedral, não sem antes de receber os 500 xof para o ingresso. Não podiam ser vistos juntos, pelos menos, cá fora.

Babadjema não entrou logo.Fez um compasso de espera para saborear a beleza presente e a chegar. Sabia bem, se sabia!!! "Ó meu Deus! Ó paraíso!", exclamava para os seus botões, sempre que passava uma imprópria para cardíacos. De facto, não dava para resistir. Que badjudas bonitas e boas prontas-a-comer!

A demora de Babadjema não agradou à Binta.
Assim, desatou a enviar liga-me atrás de liga-me.
Era chegada a hora de entrar. Juntou-se-lhe. Mais pareciam um feliz casalinho de namorados. Como as aparências enganam! Depois de terem saboreado, ela um fanta, e ele um vitamalte, nectar de sua predilecção, curtido, sentados, claro está, alguma música, a páginas tantas, disse que queria ligar a uma prima para a convidar para a desbunda. Para tanto precisava só e só de 500 xof.
Babadjema tentou fazer ouvidos moucos. Pois, não lhe agradava a ideia. Ela lá insistiu.
Que ligasse do seu telemóvel, dele Babadjema.
Que deixasse. Que já não era preciso. Bufou ela.
Mau sinal, profetizou Babadjema. Ficaram mudos e tensos durante um bom bocado. Havia que fazer qualquer coisa.
- A menina dança?
- Não, obrigado!

Mais mutismo e tensão no ar e nos dois corações.
Que fazer?! Logo com ele que gostava tanto de abanar o capacete...

Babadjema pede licença para se ausentar, apresentando um pretexto inaudível e irrepetitível, por confuso e sem nexo.
"Se ela não quer..." veio-lhe à ideia.
Era de partir para outra. E partiu mesmo.

Não tendo conseguido, voltou para junto dela com o rabo entre as pernas. A Binta não lhe ligou nenhuma.. Pudera!

Voltou a partir, decidido a não mais voltar para a enigmática.
Experimentou dançar sozinho, como aquecimento para voos mais altos. "começar com o pé esquerdo pode não constituir uma fatalidade. Nunca se sabe. A ver, vamos", animou-se.

Foi descoberto pouco depois. Não era difícil; uma torre vê-se à léguas de distância.
Exigiu do Babadjema outro fanta. Que fosse aguardar no seu cantinho o sumo. Acreditou.
Babadjema não fez caso.
Como não aparecesse com o nectar, saiu à sua procura.
Assim que Babadjema deu conta, escondeu-se.
Ela procurou, procurou... e nada. Desistiu.

Nesse interim, não é que aparece uma presa impossível de deixar para a concorrência!
Babadjema viu-se forçado a sair da toca. É avistado.

- Convidas-me e não tens dinheiro?! Era só o que mais faltava - Ataca a Binta.
- Dá-me dinheiro que quero ir para casa.
- Espera só um poucochinho! - Pede Babadjema.
- Não, não espero nada! Tenho de ir-me embora e já. Faz-se tarde.
- Já te disse para aguardares -Fingiu impacientar-se.
- Se não me dás agora o dinheiro, chamo os meus irmãos. Não te esqueças que sou do Bairro Militar.
- E daí?! Procurou armar-se em corajoso.
- Nós do Bairro Militar sabemos como ninguém tratar da saúde. E os meus manos não andam longe.

Que eram 500 xof para o Babadjema, apesar do seu salário de fome de alto funcionário público?! Salvar a pele afigurava-se a melhor política.
Por dá cá aquela palha, quantas pessoas não terão morrido nos últimos anos.
Logo emergiram do subconsciente do nosso herói imagens do assassinato selvático de um amigo seu.

Despachou-a.
Estava livre para novas aventuras.
De resto, não se saiu bem.

Ela continuou a cirandar pela discoteca. Quando o Babadjema se ia embora, viu-a, pela última vez, na parte exterior, com outro homem, toda enroscadinha como uma gata. Fez que não a viu e bazou para casa.
A noite correra mal, mas continuava vivo. Era o que mais importava. Até porque a Guiné, não obstante a sua mísera vida, é riquíssima em badjudas de cortar a repiração...

GLOSSÁRIO:

Badjuda - rapariga;
Mulheres do Termo - mulheres que vendem sandes, cervejas..., nas imediações da discoteca;
Nares - comerciantes mauritanianos;
Bocassinhos - a má-língua.

sábado, 13 de agosto de 2011

ASSÉDIO HOMOSSEXUAL

«Você nunca encontrará paz até que ouça o seu coração»,
 George Michael

Estou sentado num banco do jardim do Centro Comercial Babilónia, na Amadora, a cantarolar uma melodia  e a escrevê-la sobre o livro “O Caminho Menos Percorrido”, do psiquiatra norte-americano M. Scott Peck. Não é que surge, vindo de nenhures, um senhor na casa dos 60 anos e se simpatiza comigo! Sem cerimónias, senta-se ao meu lado; ou melhor, enrosca-se-me. Agarra a minha mão esquerda. Acaricia-a, vezes sem conta. “ Como se chama? O senhor é guineense? Mora aqui perto? É casado?”. Satisfaço-lhe a curiosidade. “Que anda a ler?”, volta à carga. Com uma mão segura o livro, fingindo interesse, e com a outra procura, sem mais delongas, o meu sexo. Isto, num jardim público, com gente a passar e tudo! “ O senhor é homossexual?”, atiro-lhe na cara. “Sou casado e tenho filhos. Mas, gosto de homens”. “Eu, não!” faço-lhe ver. “ Gosto é de mulheres… de certas mulheres”, remato. O homem lá teve de se ir embora, sorridente.
Esta história, ocorrida a 20 de Julho, faz-me lembrar  outras vividas em Lisboa:
 A caminho do Espaço B’Leza, para mais uma noite de “sabura” e “morabeza”, um carro verde encosta para me dar boleia. Desconfiado, ainda assim, acedo à oferta. A páginas tantas, convida-me para um café. Apercebendo-se de que não estava para aí virado, atreve-se, passando a mão, mais à mão, entre as minhas pernas. Chegados ao meu destino, vi-me e desejei-me para persuadir o senhor a deixar-me seguir o meu caminho. Dias volvidos, vi o mesmo carro, no Cais do Sodré, abordar um africano, provavelmente guineense, acabadinho de sair das obras …
 Por falar no Cais do Sodré, Estava eu, numa bela manhã, junto a um semáforo, à espera do verde para passar. Eis que se não quando, surge do nada, um senhor engravatado e todo janota, e mete comigo. Sem preâmbulos , dispara a matar: “ Vai uma rapidinha? Olhe, que eu pago”. “Francamente! Ao que isto chegou!”, digo aos meus botões.
Uma tarde também, na Cidade Universitária, um homem andou aí a cirandar, a ver, se me engatava.

Segundo os meus cálculos, este assédio dos “gays” teve, por assim dizer, a sua “génese”, em 1992 ou 93, nas Caldas da Rainha, quando um homem se deu ao trabalho de me perseguir por tudo quanto era sítio. Agora, pergunto-me: seria mesmo um “gay”? Ou seria, antes um tresloucado “normal”?

Procuro compreender os “gays”. Pois, a complexidade da vida recomenda-nos tolerância e respeito escrupuloso pela diferença.
Por Selo Djaló